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domingo, 17 de junho de 2012

"As máscaras" de Fernando Pessoa: breve estudo de um soneto em inglês

Fernando Antônio Nogueira Pessoa foi um dos mais importantes escritores e poetas do modernismo em Portugal. Nasceu em 13 de junho de 1888 na cidade de Lisboa (Portugal) e morreu, na mesma cidade, em 30 de novembro de 1935.
Em virtude da morte precoce do pai, o funcionário do Ministério da Justiça e crítico musical Joaquim de Seabra Pessoa, e do recasamento da mãe, a açoriana Maria Madalena Pinheiro Nogueira com o comandante João Miguel Rosa Pessoa, nomeado cônsul interino na África do Sul, Fernando Pessoa  foi morar, ainda na infância, aos seis anos, naquele país africano, mais exatamente na cidade de Durban.  Ali, travou amizade íntima com a língua inglesa, em que exercitou seus primeiros escritos. Tornou-se bilíngue e profundo conhecedor da literatura escrita no idioma de Shakespeare.
Os seus primeiros estudos e os seus primeiros textos são feitos em inglês, idioma que Fernando Pessoa nunca abandonará. É através dele que trabalhará, mais tarde, já em Lisboa, como correspondente comercial. Apesar de vir a adotar para os seus escritos a língua portuguesa, continuará sempre a escrever em inglês, seja nos seus textos críticos e notas íntimas, seja nos seus trabalhos de tradução de poetas ingleses, seja nos seus textos poéticos.
Para dar expansão à sua complexa constituição poética, Fernando Pessoa concebeu vários heterônimos, sendo que os mais famosos são Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis. Para cada um deles concebeu uma biografia e um perfil poético diferente.
Em vida, o poeta só teve um livro publicado em português, Mensagem (1934), além de duas plaquetas – livros pequenos – de poemas em inglês, intitulados Antinous e 35 Sonnets, ambas em 1918.
Neste estudo, pretendemos estudar brevemente um dos 35 sonetos em inglês escritos por Fernando Pessoa. É provável que o soneto que escolhemos para análise, como de resto todos os demais escritos pelo nosso poeta tenham recebido influência do contato com a obra de Shakespeare.
Inicialmente, vamos tratar, ainda que de maneira breve, da forma poética soneto, tal como a praticam os ingleses. Diferentemente da forma soneto praticada pelos usuários da língua portuguesa, e que derivou da italiana, e que possui quatorze versos distribuídos em dois quartetos e dois tercetos, o soneto inglês possui uma estrofe de doze versos e um dístico.
A palavra soneto do italiano sonetto denota “pequena canção” ou, ainda, “pequeno som”.  O soneto foi criado no começo do século XIII, na Sicília, e, por meio de canções, era apresentado.
Vamos estudar o poema que segue, o oitavo do livro 35 sonnets, traduzido pelo escritor português Jorge Sena.

VIII
How many masks wear we, and undermasks,
Upon our countenance of soul, and when,
I f for self-sport the soul itself unmasks,
Knows it the last mask off and the face plain?
The true mask feels no inside to the mask
But looks out of the mask by co-masked eyes.
Whatever consciousness begins the task
The task's accepted use to sleepness ties.
Like a child frighted by its mirrored faces,
Our souls, that children are, being thought-losing,
Foist otherness upon their seen grimaces
And get a whole world on their forgot causing;
And, when a thought wourld unmask our soul's masking,
Itself goes not unmasked to the unmasking.

VIII

Ah quantas máscaras e submáscaras,
Usamos nós no rosto de alma, e quando,
Por jogo apenas, ela tira a máscara,
Sabe que a última tirou enfim?
De máscaras não sabe a vera máscara,
E lá de dentro fita mascarada.
Que consciência seja que se afirme,
O aceite uso de afirmar-se a ensona.
Como criança que ante o espelho teme,
As nossas almas, crianças, distraídas,
Julgam ver outras nas caretas vistas
E um mundo inteiro na esquecida causa;
E, quando um pensamento desmascara,
Desmascarar não vai desmascarado.

Trad.: de Jorge de Sena

VIII
How many masks wear we, and undermasks,
Upon our countenance of soul, and when,
I f for self-sport the soul itself unmasks,
Knows it the last mask off and the face plain?
The true mask feels no inside to the mask
But looks out of the mask by co-masked eyes.
Whatever consciousness begins the task
The task's accepted use to sleepness ties.
Like a child frighted by its mirrored faces,
Our souls, that children are, being thought-losing,
Foist otherness upon their seen grimaces
And get a whole world on their forgot causing;
And, when a thought wourld unmask our soul's masking,
Itself goes not unmasked to the unmasking.

VIII
Quantas máscaras possuímos
Cobrindo a face da nossa alma e quando
Ela por desejo se desmascara,
E vê a última máscara caída e a face nua?
A verdadeira máscara não está dentro dela mesma
Mas é percebida através de olhos desmascarados
Qualquer que seja a consciência.
Ela aceita a insônia
Como uma criança que teme a sua face refletida
Nossas almas, como as crianças, são pensamentos soltos que
Forçam as diferenças em seus disfarces
E o mundo todo na esquecida causa;
E, quando um pensamento desmascarara a máscara da nossa alma,
Ele não desmascara o que vai ser desmascarado.

Logo acima, apresentamos a proposta de tradução feita pela Profa. Soraya Bernardes. Segundo ela, Mask é a palavra-chave do soneto. Se empilharmos todas as palavras de cada verso que contenha mask (acrescida de sufixo ou prefixo) ficará claro a dialética de sobreposição que se constrói. Transmite-nos a impressão da revelação de nosso sentimento, todas as máscaras estão sendo retiradas uma após a outra, mas no fim a descoberta pode ser falha, sendo que o sentimento pode não ser verdadeiro. A cada máscara retirada vem outra por baixo, denotando que a essência da pessoa é muito difícil de enxergar. As máscaras ajudam a criar disfarces para várias ocasiões no cotidiano e nunca o desmascaramento chega a revelar a alma da pessoa. Separando as palavras masks e suas derivações no soneto, e empilhando-as pode se notar a criação de um escudo...

masks
undermasks
unmasks
(last) mask (off)
(true) mask (feels)
no inside to the mask
looks out of the mask
by co-masked (eyes)
unmask
soul’s masking
unmasked
unmasking

O significado desta última referência retoma como num círculo, num ciclo, a máscara da alma do primeiro verso, a face pura da alma, retratando o seu nascimento e morte.
Como contribuição dos conhecimentos adquiridos durante o curso de Linguística Românica, faremos uma análise do poema que privilegia a etimologia da palavra mask. Podemos perceber que o autor adota como palavra-chave o vocábulo Mask e durante a construção do poema ele modifica o sentido da mesma acrescentando ora sufixo ora prefixo, criando desta forma, um jogo de palavras agradável de ler e ouvir.
Justamente pela agradabilidade encontrada neste jogo, optamos por analisar etimologicamente a palavra Mask e os sufixos e prefixos que acrescentados à mesma derivam outros vocábulos.
A palavra Mask/Masque- substantivo feminino em francês, árabe e espanhol, é basicamente a mesma, havendo uma variação mínima. A forma completa de máscara: masquarizé, masked, masquerié, masquerade, originaram-se do Francês arcaico.
Máscara, a masker, a masquereder, a mask são variantes do espanhol.
Maskharat em árabe.
Estas são as formas totalmente comprovadas.

Derivação: francês = masquerade, espanhol = mascarada
Analisando o prefixo under que acrescido em mask torna-se undermask, sob a máscara.
Under , sob. Inglês moderno Anglo-Saxônico + onder do holandês, undir da Islândia, unter do Alemão.
Un, prefixo de negação do Inglês moderno que acrescido em mask, torna-se unmask, sem mascára.
Co-, prefixo originado do Latim que acrescido em mask, torna-se co-masked, co-mascarado.

Curioso é pensar no sentido da palavra mask tomando em conta a heteronímia de Fernando Pessoa. Os poetas Álvaro de Campos, Bernardo Soares, Alberto Caeiro e Ricardo Reis não seriam as várias máscaras que cobrem a face de Fernando Pessoa?
Andréa Lara
Bruno Wagman
Kilder Silveira
Marlena Aparecida
Mônica Langamer
Valquíria Santana
Referências bibliográficas:

Skeat W. Walter, Concise Dictionary of English Etymology – The roots and origins of the English Language. Words Edition

PESSOA. Fernando. Poemas Dramáticos Poemas Ingleses poemas Franceses Poemas Traduzidos – 3ª edição – Editora Nova Fronteira, 1988.

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